Atualmente o dito popular é que “tudo acaba em pizza”. Mas, nos idos 1889, quando no Brasil reinava a monarquia e o imperador era D. Pedro II, a frase certa seria “tudo começou no baile”, para acabar em república. Se bem que já pairava no ar um clima de descontentamento entre os monarquistas e os republicanos, fato que o governo já sabia. Em meio ao povão, o imperador tinha grande popularidade e a maioria achava que a tal campanha republicana era uma injustiça com uma pessoa tão boa.
Para tentar defender a monarquia e acabar com a festa dos republicanos, José do Patrocínio criou uma Guarda Negra formada por ex-escravos e entre eles grandes capoeiristas. Como na época não havia o recurso de “fake news”, cabia a essa guarda bagunçar com os comícios republicanos e a grande arma desse exército eram os golpes de capoeiras e navalhas.
Mas, e o baile? É aí que entra na história o visconde de Ouro Preto, um grande monarquista. Para mostrar que a monarquia estava cada vez mais forte, providenciou um baile como nunca aconteceu no Império. Mas, teria que arrumar um motivo e assim escolheram homenagear o alto escalão do couraçado chileno Almirante Cochrane, que estava ancorado há duas semanas no Rio de Janeiro. Que, segundo fontes confiáveis da época, na verdade seria para comemorar as bodas de prata da princesa Isabel e do Conde D’Eu.
Pela primeira vez, o imperador convidou cerca de 3 mil pessoas para uma festa. A data escolhida foi 9 de novembro de 1889 e o local para a festança foi o Palácio da Ilha Fiscal no Rio de Janeiro, uma imponente construção no estilo da região de Auverne na França. Imaginem a cena, pois na época também não tinha selfies. O palácio totalmente iluminado e ornamentado com lanternas venezianas estava um deslumbre. Um holofote projetava um foco de 60 mil velas e outros holofotes, inclusive do couraçado chileno e de outros navios que dali se aproximaram, completavam o inédito espetáculo de luzes. A ilha contava com um gerador para fornecer eletricidade para este luxo. Para a época, um disparate.
Então, as 20h30 teve início a festa. Um alvoroço tomou conta do caís Pharoux, hoje Praça XV de Novembro. Aquilo que era festança. Três vapores saíam do cais levando os convidados para a ilha, enquanto uma banda da polícia animava o povão que ali se aglomerava para ver os ricos e famosos. Já naquela época houve até recepcionistas vestidas como fadas ou sereias para recepcionar os convidados na entrada do palácio. E não faltaram os tais “micos” durante esse vai e vem de convidados, pois na pressa de uma entrada triunfante no salão, muitas madames chegaram a cair na água. Um prato cheio para a imprensa da época.
No palácio, bandas militares tocavam valsas, mazurcas, quadrilhas e polcas para os dançarinos espalhados pelos seis salões do palácio. E a dança correu solta e até a princesa Isabel, com um vestido maravilhoso, se esbaldou. Ainda teve o que podemos chamar de “open bar” com bebidas à vontade. Foram consumidos 180 caixas dos melhores vinhos, 300 caixas de champanhe francesa, 10 mil litros de cerveja e de quebra, destilados e licores. E nas mesas espalhadas pelo pátio em forma de ferraduras, foi servido o jantar anunciado pelos arautos da corte, com um menu que incluía os mais exóticos e requintados pratos como faisões, trufas e perdizes, dando início a grande “comilança”. As mesas eram cobertas por toalhas de linho branco, os talheres eram de prata, as louças importadas e os copos de cristal.
Quando o jantar foi anunciado, foi um vexame. Alguns historiadores afirmam que os “ricos e famosos”, mas sem nenhum traquejo social ou de boas maneiras, não souberam se comportar empanturrando-se de comida. Em meio a vários sabores de doces como sobremesa, foram servidas 14 mil taças da grande novidade da época e que maioria ainda conhecia: sorvete. Em meio a toda essa “badalação”, apenas uma pessoa não se divertiu, o próprio D. Pedro II por conta de sua diabetes e cansaço.
Como uma premonição, ao circular pelo salão, D. Pedro tropeçou em um tapete e por pouco não beijou o chão. Com a classe de sempre, vestindo seu imponente uniforme de almirante, não perdeu a elegância disse: “o monarca tropeçou, mas a monarquia não caiu”. Doce quimera. A família real deixou o baile logo após ser servida a sobremesa. Segundo alguns historiadores, havia apenas um banheiro para mais de 3 mil pessoas. Para os homens havia o mar e para as mulheres, estas procuravam um cantinho para se aliviarem usando os baldes que os serviçais providenciaram. Imaginem a dificuldade com toda vestimenta da época.
A festança custou a fortuna de 250 contos de réis e o pagamento foi providenciado pelo ministro Ouro Preto. Nos dias atuais seria em torno de 700 mil a 1,2 milhões de reais. Adivinha como? A quantia foi desviada de recursos que estavam destinados para ajudar o Nordeste com problemas com uma terrível seca. Conhecemos bem este “problema”. D. Pedro, apesar de imperador, era um homem simples e não gostou nada disso. Bem, a noitada terminou ao amanhecer e este foi o último e luxuoso baile do Império Brasileiro.
Enquanto o palacete resplandecia de luxo e ostentação para receber os ilustres convidados, bem perto, onde hoje é a Praça da República, os republicanos se reuniam no Clube Militar, sob a presidência de Benjamin Constant, tramando a queda do Império. Seis dias depois, em 15 de novembro de 1889, o Marechal Deodoro, antes monarquista e “fiel” amigo de D. Pedro II, proclamava a República.
Junto ao povo que perplexo comemorava a nova república, estavam os mesmos oficiais chilenos que dias antes brindaram com o imperador no grande baile. Quanto a D. Pedro II, era um homem a frente de seu tempo, com visão aberta para o futuro, honrado e muito querido pelo povo. Com certeza o fim da Monarquia deveria acontecer, mas na época muitos criticaram a forma de como tudo aconteceu, além de ter sido uma grande deslealdade para um homem que sempre amou e honrou o Brasil. Também achavam que tal transição poderia ter sido feita num civilizado acordo político. Felizmente, anos depois foi reconhecida sua importância para o Brasil.
Quanto aos escândalos acontecidos durante a festança, foram vários. Inclusive um espartilho foi encontrado pelos serviçais de limpeza. O resto, eu conto depois.